Síria
Governar é escolher, dizia Mendès-France. A escolha, no caso sírio, é de uma extrema complexidade. Deixar impunemente Bashir Al-Assad continuar a repressão de parte do seu povo parece obsceno, agora que as acusações de uso de armas químicas fizeram a guerra civil mudar de patamar. Mas decapitar o poder em Damasco, provocando uma espécie de "balcanização" armada, com a entrega do poder a grupos islamistas radicais, muito fragmentados entre si, sem a menor garantia da criação de um processo democrático alternativo, é também um risco estratégico fortíssimo.
Que fazer? A escolha dos EUA e alguns aliados, mas ainda não plenamente assumida e fragilizada na reunião do G20, seria no sentido de provocar um forte abalo do regime sírio, por ataques cirúrgicos a estruturas e entidades que suportam o essencial da sua ação militar, com vista a provocar o seu enfraquecimento e a forçá-lo à negociação de um qualquer compromisso. Curiosamente, no discurso ocidental, poucos falam na substituição de Assad e mesmo no seu possível julgamento pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), talvez porque alguns considerem que um cenário "menos mau" ainda pode ter de vir a passar por ele. Longe vão os tempos do "regime change" que era voz corrente no caso do Iraque.
Em todo este contexto, valerá a pena não perder de vista algumas coisas:
· que o regime de Assad, não obstante a violência dos seus métodos (aliás, na velha tradição bárbara do pai do ditador), tem um considerável apoio popular no país, por razões de equilíbrios étnicos que têm muito a ver com a própria existência do país. O sunitas moderados, bem como as minorias cristãs, druzas, chiitas e curdas parece continuarem a preferir Assad à instauração de um modelo islâmico radical.
· que a oposição está extremamente fragmentada entre grupos no exterior, sem grande influência interna e apenas relevantes nos refugiados e na diáspora, e os grupos internos que conduzem as operações militares, fortemente extremistas, que fazem parte de uma espécie de "brigadas internacionais" salafistas, que o ocidente se resignou a apoiar, sob pressão dos seus aliados sunitas (Turquia, Arábia Saudita e Qatar).
· que a agenda anti-Assad, na realidade, tem como importante objetivo tentar enfraquecer a aliança entre a Síria e o Irão - porque a questão iraniana permanece como o elemento vital de toda esta questão. Por forma a evitar que o Irão se assuma potência central da região, em especial se vier a obter poder nuclear, o ocidente decidiu tomar partido pelas forças sunitas, na tentativa de quebrar a ligação entre as forças chiitas que ligam Síria, Irão e Iraque, bem como o Hezbollah libanês.
No caso sírio, como às vezes acontece, parte do mundo encontra-se perante a "alternativa do diabo": qualquer escolha será má, restando saber qual será a pior.
ps - porque é bem ilustrativa do que a Europa política é, note-se o esforço declaratório da União Europeia sobre este assunto, recheado de ambiguidades para poder acomodar o mar de divergências no seu seio.
Francisco Seixas da Costa
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